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domingo, 22 de abril de 2012

Domenico Losurdo e a História dos Intelectuais



A figura do intelectual independente do poder doutrinário da Igreja e dos interesses aristocráticos é uma invenção iluminista. O fato é que diferentemente da América do Norte e da Inglaterra, lugares onde os intelectuais estavam vinculados a famílias tradicionais e proprietárias de escravos, na França pré-revolucionária surgem os chamados “mendigos da pena”, que se colocaram em polêmica contra a nobreza e solidários em relação às insatisfações sentidas pelas camadas populares.  Foi, portanto, nessa França prestes a eclodir em um evento sanguinário que surgiu o debate sobre o papel do intelectual e o engajamento diante das demandas políticas de uma época, porém, em outro patamar, também temos a crítica e a denúncia do radicalismo revolucionário que foram produzidas pelos intelectuais desenraizados.

Esse levantamento histórico sobre o raio de atuação limitada, porém sempre aguardada, dos intelectuais foi conduzido de forma magistral por Domenico Losurdo no ensaio “Os intelectuais e o conflito: responsabilidade e consciência histórica”, escrito em 1997, e publicado no Brasil em 1999, na coletânea Intelectuais e política: a moralidade do compromisso. Existem, portanto, intelectuais que legitimam ideologicamente projetos políticos que podem desencadear crises sociais. Isso por que, como é possível perceber, a cultura política ocidental é uma cultura alicerçada solidamente na prática da retórica. O próprio Voltaire, mesmo ao falar sobre tolerância em um dos seus textos mais famosos, atacou com violência o fanatismo promovido pelas religiões. Os discursos de Voltaire que postulam a religião como uma manifestação da ignorância humana e um entrave para a liberdade estão presentes na legitimação contemporânea em torno da nova cruzada ocidental contra o Oriente. Se Voltaire pode servir como uma luva para justificar a limpeza étnica de árabes, Locke também forneceu uma possante legitimação retórica da escravidão nas colônias europeias ao longo do imperialismo.

 Porém, não é papel do estudioso da consciência histórica assumir ares de um juiz que distribui condenações para réus que defenderam ideais que hoje são tidos como hediondos pelo menos entre as pessoas minimamente sensatas. Entre uma teoria situada em um momento histórico preciso e a prática de um crime existe uma diferença gritante. Se o fascismo cometeu crimes que há muito tempo a cultura humanista italiana condenava, é porque essa cultura não possuía quase nenhuma influência sobre a vida do homem comum.

 A consciência histórica da catástrofe humana que representou a Segunda Guerra leva Losurdo (1999, p. 193) a reafirmar tanto o pecado da indiferença do intelectual entrincheirado em sua torre de marfim como a inegável parcela de culpa dos legitimadores das teorias sobre o extermínio de massa. Assim, no contemporâneo, “somos novamente reconduzidos a denúncia da engenharia social e da filosofia da história”. O intelectual, para Losurdo, compartilha das mesmas obrigações morais que o homem comum em relação à necessária atuação política que devemos desenvolver no terreno movediço da cidadania. A covardia ou a cumplicidade diante do crime é uma postura absurda e que contribui para reforçar o desprezo do trabalhador operário pelo homem de letras. Assim, no mínimo, o intelectual deve nutrir uma postura atenta em relação às ilusões político-sociais provocadas por algumas teorias de seu tempo, pois:

(...) a consciência histórica é a condição preliminar para que o intelectual no exercício da atividade intelectual, como sujeito moral diante de conflitos e responsabilidades inevitáveis e que, ao avaliar o passado, não se vê fora da corrente ininterrupta das responsabilidades. Esse assumir obrigatório da responsabilidade não fundará nenhuma republique des lettres, não eliminará os conflitos e as contradições que constituem a história e que dilaceram os intelectuais, exatamente como os políticos e como todos os mortais. E sobre uns como sobre outros se exercerá e continuará a exercer o juízo histórico das futuras gerações. (LOSURDO, 1999 , p. 196)

 

 Referências:

LOSURDO, Domenico. Os intelectuais e o conflito: responsabilidade e consciência histórica. In: BASTOS, Elide Rugai & RÊGO, Walkiria Leão (orgs.). Intelectuais e política: a moralidade do compromisso. São Paulo: Olho d`Água, 1999.