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quinta-feira, 19 de maio de 2011

130 anos de Lima Barreto


A crítica literária, sobretudo quando é feita a partir de leituras que velam pela manutenção do poder vigente, tem a indigna função de silenciar as obras e os escritores que estão na contramão das correntes políticas e estéticas dominantes. Lima Barreto foi um desses nomes que teve de sofrer na própria pele os estigmas do preconceito de cor, de classe social e intelectual. Em face dos 130 anos de aniversário do escritor carioca, o mercado editorial brasileiro começa a atender a demanda dos leitores, agora ávidos para conhecer a vida e a obra desse autor, com a reedição das obras e publicação de estudos sobre o mesmo.

Recentemente, tive a oportunidade de ler algumas considerações do professor de Literatura, da Unicamp, Antônio Arnoni Prado - na página cultural do jornal O Estado de São Paulo - sobre algumas questões biográficas, estéticas e políticas no tocante a trajetória de Lima Barreto. Para o professor, os pareceres de José Verissímo, João Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda e Agrippino Grieco - e eu ainda acrescentaria Medeiros e Albuquerque - que condenaram os romances de Lima por considerá-los extremamente autobriográficos acabaram influenciando as interpretações que reduzem o papel de Lima Barreto, nas letras brasileiras, ao de panfletário. É preciso pensar em Lima como um escritor mais entregue as intensidades dos sentimentos, do que aos floreios literários.

É preciso ler e reler a biografia Lima Barreto: escritor maldito, de Pereira Silva e A vida de Lima Barreto, de Francisco de Assis Barbosa. Existe uma tendência revisionista que considera as pontes feitas entre arte e vida, em Lima Barreto, por esses autores impertinentes. Ao meu ver, isso faz parte da atmosfera de arrogância juvenil que enche os pulmões de alguns inciantes no universo da pesquisa e que têem uma necessidade, bastante inócua, de atribuirem ares inéditos as suas pesquisas bibliográficas. Já cheguei a ler por aqui, na Ufsc, uma dissertação que afirmava que Nicolau Sevcenko, ao escrever Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República, contribuiu para a construção de uma interpretação errônea da obra barretiana. Também sugiro a leitura da mais nova biografia sobre Lima Barreto, escrita pela antropológa Lilia Moritz Schwarcz e que enfoca bem a questão do preconceito racial ao longo da vida do literato. Seria também pertinente recomendar o livro Lima Barreto e o destino da literatura do brasilianista inglês Robert Oakley. Este estudioso britânico vem sendo o responsável por divulgar a obra de Lima nos círculos acadêmicos ingleses.

Creio que essa safra de boas publicações sobre a importância de Lima Barreto para a literatura brasileira é bem importante não só para o público especializado, mas também para o leitor que pode não se interessar pela linguagem acadêmica e é, no entanto, um inconformado com a atual situação do país. Lima Barreto é recomendado, sobretudo, para essas pessoas que não conseguem aceitar como a república brasileira continua mantendo privilégios de classe e aumentando os abismos entre ricos e pobres, bem como velando pela manutenção de preconceitos de cor.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Roland Barthes e os rumores do pós-estruturalismo


Roland Barthes nasceu em Cherbourg, região costeira da França, em 1915 e veio a falecer em Paris, em 1980, vítima de um atropelamento. Formado em Letras Clássicas, Gramática e Filosofia, ganhou visibilidade inicialmente enquanto intelectual estruturalista, ligado ao pensamento do lingüista Saussure. Talvez iniciar uma fala sobre Barthes ressaltando, de forma breve, sua trajetória biográfica seja, justamente, estar na contramão do pensamento daquele que professou a morte do autor. Porém, como também nos ensinou outro grande pensador francês, chamado Michel de Certeau e igualmente ligado a Lingüística, a escrita é indissociável de um dado lugar social.


É interessante salientar que a trajetória intelectual de Barthes foi marcada por uma reviravolta teórica quando ele criticou a teoria literária de meados do século XIX que exaltava a biografia e a historicidade da obra e que no final do século tornou-se intimista, quando a obra era interpretada pelo seu viés psicológico e a ânsia estruturalista, do começo do século XX, em homogeneizar todas as coisas em categorias, inclusive, os textos. Ao realizar esse movimento autocrítico em relação a sua atuação no estruturalismo, Barthes recontextualizou sua obra e foi enquadrado no rol dos críticos pós-estruturalistas. É dentro desse quadro de renovação que o conjunto de ensaios, reflexões e provocações reunidos sob o título de O rumor da língua foi publicado, na França, em 1984.


Em A morte do autor, Barthes inicia seu ensaio citando a novela Serrasine, de Balzac. Até que ponto os personagens seriam representantes do pensamento do escritor? Para Barthes, é preciso pensar a escrita como o campo da performance e não da genialidade. O autor é uma construção moderna e o positivismo foi a corrente intelectual que conferiu maior importância a autoria, em um momento de supervalorização do prestigio individual. Barthes critica, portanto, a relação feita entre vida do autor e texto. É a linguagem que fala, não o autor.


Mallarmé e Proust vão ser os pioneiros, na literatura, em buscar priorizar a linguagem ao invés da autoria. O surrealismo também contribuiu para a dessacralização da figura do autor. Para Barthes, o livro não é gestado antes de sua escrita. Todo ato de escritura é uma prática perfomática, ou seja: é um ato que reside no espaço do aqui e agora. O autor é responsável por misturar as escritas, fazendo uma bricolagem de textos diferentes. Deste modo, um escrito remete a outro, em uma intertextualidade infinita. Thomas de Quincey usava um complexo dicionário de grego clássico para escrever. Essa constatação, para Barthes, evidencia a inexistência entre escrita e vida. O escritor não escreve a partir de suas impressões e sentimentos, mas de imitação de signos já emitidos.


Essas reflexões de Barthes foram decisivas para o surgimento das teorias da recepção, que valorizavam o papel do leitor e da leitura no campo da literatura. A postura polêmica do autor e sua escrita repleta de sensualidade, marca de um estudioso fascinado pelo Marquês de Sade, também demonstram que é possível pensar filosoficamente e cientificamente sem se valer de uma linguagem asséptica. Enfim, usar Barthes como guia para incursões na teoria da literatura e da linguagem é permitir-se estar na companhia de um pensador para o qual o saber deveria possuir um sabor.


Referências:


BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988.


P.S.: Este post é um fragmento de um pequeno esboço de ensaio que elaborei sobre Barthes para apresentar no Seminário Temático da disciplina Teoria e Metodologia da História II, no doutorado, sob a coordenação da Profª. Bernardete Flores.


domingo, 17 de abril de 2011

II Congresso Nacional do Cangaço: Nordestes e Nordestinidades: histórias, representações e religiosidades

Em breve estarão abertas as inscrições de propostas de Grupos de Trabalho (GT), Minicursos (MC) e Oficinas (OF) que irão compor a programação da III Semana Regional de História e do II Congresso Nacional do Cangaço: Nordestes e nordestinidades: história, representações e religiosidades, a se realizar no Campus do CFP/UFCG na cidade de Cajazeiras/PB, entre os dias 24 e 29 de outubro de 2011.


As inscrições ocorrerão entre os dias 25 de abril e 27 de maio do corrente, exclusivamente via internet, conforme as instruções constantes na ficha de inscrição de propostas anexada a este e-mail e abaixo descritas:


1. É permitido apenas o envio de uma proposta de GT, MC e OF por proponente e um número máximo de 02 proponentes por atividade;


2. Os resumos das propostas deverão obedecer à seguinte formatação: texto justificado; fonte Times New Roman, tamanho da fonte 12; espaçamento entre linhas 1,5; dimensão: até 300 palavras, salvo em Word 97-2003 (ou compatível);


3. As propostas que não estiverem de acordo com as regras acima descritas serão automaticamente descartadas, assim como aquelas que chegarem fora do prazo estabelecido;

4. As propostas devem ser encaminhadas até o dia 27 de maio do corrente para o e-mail: propostas.cangaco@gmail.com;


5. Dúvidas e/ou contato, favor enviar mensagem para o e-mail:duvidas.cangaco@gmail.com.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Paul Ricouer e a história


Desde sete anos, este é o primeiro carnaval que passei distante de Campina Grande. Acompanhei apenas a programação pela web e, realmente, tive muita vontade de estar presente no já consagrado Encontro para a Nova Consciência, que acontece todos os anos. Trata-se de um evento que procura agregar, por meio de uma programação cultural, as pessoas que não são muito adeptas dos festejos tradicionais de Momo. Mas o que fazer para passar o tempo em uma cidade que ainda permanece como estranha, em muitos aspectos, para um forasteiro, como Florianópolis? Apesar de ter arriscado algumas incursões breves pelas áreas carnavalescas da urbe, ler me pareceu a coisa mais sensata.

A biblioteca da UFSC tem me proporcionado excelentes momentos. Antes do recesso de carnaval, pude pegar o livro História e verdade, do filósofo francês Paul Ricouer (1913 - 2005), publicado no Brasil em 1968, pela Editora Forense. Creio que seja bem importante perceber como Ricouer aborda a escrita da história a partir da ótica da filosofia da linguagem, motivado, sobretudo, por inquietações de ordem ética e como o citado pensador trouxe a tona para o debate sobre história e verdade, conceitos e posicionamentos que podem auxiliar os historiadores a resolverem diversos impasses teóricos próprios dessa forma de saber.

Segundo Ricouer, o historiador reconfigura o passado, coloca a questão da dívida histórica e moral entre mortos e vivos em discussão e abre expectativas para um futuro mais pleno, no qual os crimes e as formas de violência sofridas pelas pessoas no passado não se repitam. Quando o historiador atenta para a carga de intencionalidades que possui e o quanto elas afetam sua própria relação com seu objeto de pesquisa não está deixando de construir conhecimento, mas sim tomando consciência da dimensão humana de seu ofício. Esse senso de humanidade, ou sensibilidade, também presente no labor do escritor literário, encontra no plano textual um terreno fértil, pois se deve levar em conta que toda escrita, sendo antes de tudo, um artefato cultural, carrega implicações políticas.

Fica a dica de leitura para aqueles que almejam conhecer os textos desse grande filósofo contemporâneo, que teve a ousadia de repensar as relações entre História e Filosofia sem abrir mão de inserir no debate aquela velha questão do papel orgânico dos intelectuais, tão ridicularizada pelo ceticismo dito pós-moderno.

Referências:

RICOUER, Paul. História e verdade. Tradução de F. A. Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1968.


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O menino de engenho e o escrivão


O escritor paraibano José Lins do Rego ficou imortalizado como o autor dos romances que compõem a chamada literatura do ciclo da cana-de-açucar. Em obras canonizadas como Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), O moleque Ricardo (1935) e Usina (1936) são evocadas imagens do cotidiano e das relações sociais de um Nordeste patriarcal que estava tendo seus pilares tradicionais de sustentação política e econômica corroídos pela chegada voraz da modernidade tropical. O romance Menino de engenho, por exemplo, pode ser lido como um testemunho que busca evocar as lembranças do dia-a-dia nas plantações de cana, marcado pela presença onisciente da figura do Senhor de engenho e de uma rotina de atividades extenuantes para os escravos e meeiros que trabalhavam no eito, as margens do rio Paraíba.

Após cumprir o estudos superiores em Recife, o autor mudou-se, em 1935, para o Rio de Janeiro onde passou a colaborar ativamente com a imprensa, em grandes jornais da época como os Diários Associados e O Globo. É justamente esse Lins do Rego jornalista que se dedicou tanto ao jornalismo literário - descrevendo o panorama intelectual que lhe foi contemporâneo - como ao esportivo, elaborando vários escritos sobre o futebol da época - uma das suas grandes paixões - que passa desapercebido no cenário literário nacional. Na obra Ligeiros traços (2007), publicada pela Editora José Olympio, cheguei a encontrar uma crônica chamada Lima Barreto, publicada na revista Dom Casmurro, em novembro de 1922, na qual Lins se refere ao escritor carioca como alguém que "foi a maior vocação do nosso romance" e que ao escrever sobre Lima se sentia desolado "em comentar uma vida que passou sem as honras e as distinções que merecia" (REGO, 2007, p. 247).

De fato, um dos espaços investigativos mais ricos que se abrem para quem quer compreender, profundamente, a obra de Lima Barreto é buscar mapear como o escritor, embora fosse rejeitado e silenciado pelos autos medalhões da Academia Brasileira de Letras, conseguiu despertar o interesse e a simpatia em escritores mais jovens, como o natalense Jaime Adour Câmara, o próprio José Lins do Rego, o carioca Gustavo Santiago ou o também conhecidissímo folclorista natalense Câmara Cascudo. O que me parece ser uma boa hipótese é que a forma simples, praticamente didática, que marca o estilo de Lima Barreto e as ironias que ele destinou aos partidários da República das Belas Letras atraiu a atenção desses então jovens intelectuais , que se identificaram com a forma dessacralizadora que o autor das Recordações do escrivão Isaías Caminha se referia aqueles graves senhores de cartola que sentavam nas cadeiras laureadas da ABL.


Referências:

REGO, José Lins do. Ligeiros Traços. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2007.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Companhia das Letras lança os contos completos de Lima Barreto

A editora Brasiliense foi a pioneira em lançar as obras completas do escritor carioca Lima Barreto. Recentemente, pela Editora Agir, com organização de Beatriz Resende e Rachel Valença, em 2004, saíram dois grossos volumes, cada um com cerca de 500 páginas, com todas as crônicas do literato. Nesses dois volumes, ao longo da escrita de minha dissertação de mestrado, intitulada Uma outra face da Belle Èpoque carioca: o cotidiano nos subúrbios nas crônicas de Lima Barreto (2010), pude analisar o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma enquanto um intérprete da modernidade carioca que, ao denunciar, por meio da escrita jornalística, a dimensão excludente do processo de modernização do Rio de Janeiro, dotou seus textos de uma atualidade desconcertante. No citado trabalho, umas das conclusões que cheguei é de que:

Ao tomar partido abertamente pelas causas políticas de vanguarda, – como o anarquismo e o socialismo humanitário – Lima Barreto idealizou uma literatura militante, comprometida com o desvelamento das distorções sociais, que eram estabelecidas para favorecerem as elites, e que alimentava uma profunda ternura em relação às dores e dificuldades vividas por marginais, trabalhadores, excluídos e perdedores.65 Em Todos os Santos, travou contato com todos esses personagens anônimos da história e construiu representações riquíssimas dos subúrbios cariocas; verdadeiras cartografias sentimentais da cidade, marcadas por uma linguagem afetiva que dotou os espaços urbanos destinados ao morar e conviver popular de uma profundidade psicológica própria. (AZEVEDO S. NETO, 2010, p. 133)

Enquanto me preparo para dar início aos estudos que irão culminar com a escrita de uma tese de doutorado, a ser defendida na UFSC, ando buscando o devido apoio para a publicação deste trabalho que, com certeza, foi realizado com o intuito de fornecer alguma contribuição para os círculos de debates sobre este escritor, acima de tudo, brasileiro. Bom, mas gostaria mesmo era de compartilhar, por aqui, o lançamento da Companhia das Letras: trata-se de uma edição com todos os contos do Lima, organizada por Lilia M. Schwarcz - importante antropóloga que vem estudando, dentro de uma perspectiva histórica, o papel e os discursos sobre os negros ao longo da história nacional. Cada conto escrito por Lima Barreto tem muito a revelar ao leitor sobre a sociedade brasileira de ontém e a de hoje, por isso não devem ser lidos pelos chamados burocratas da literatura, mas por aqueles que tem a consciência de que em uma realidade ainda tão díspare entre classes letradas e iletradas, como a de nosso país, o exercício da escrita deve correr na direção dos dramas cotidianos vividos pela grande maioria de nossa população.


Referências:

AZEVEDO S. NETO, Joachin de Melo. Uma outra face da Belle Èpoque carioca: o cotidiano nos subúrbios nas crônicas de Lima Barreto. Campina Grande: UFCG, 2010. Dissertação (Mestrado)

BARRETO, Lima, 1881-1922. Contos completos. organização e introdução de Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cultura e literatura muito além da Pólis

Algumas semanas atrás eu acessei o site da Estante Virtual e resolvi encomendar o livro História, Literatura, Ficção do renomado estudioso da literatura Luiz Costa Lima. Fiz o pedido a um vendedor, cadastrado no site, chamado Valmir de Souza, que, prontamente, enviou o exemplar. Após receber o livro e depois de alguns e-mails, Valmir de Souza mencionou que estava se desfazendo de alguns livros que não usava mais e que atuava no Ensino Superior, tendo feito doutorado na Usp e publicado o livro Cultura e literatura: diálogos.

O livro me foi enviado pelo autor e creio que nada mais justo do que externar aqui as impressões gerais que me causaram. Para começar, venho dialogando também com alguns nomes que preenchem as referências bibliográficas da obra, como Walter Benjamin e Roger Chartier, para pensar essa questão da noção da cultura como um conceito despojado dos atavios de opulência e presunção que lhe são depositados pelas elites administrativas. A questão é que esses autores, juntamente, também com o nome do crítico literário Alfredo Bosi, nos ajudam a refletir sobre a cultura como um terreno movediço, no qual acontecem conflitos margeados por relações de força complexas. Entra em cena, assim, uma arena de estudos bem profícua quando se encara as disputas pela legitimação da ordem vigente e o direito a memória daqueles que tem suas formas artísticas de expressão silenciadas pelas políticas oficiais e oficiosas.

Mais do que uma conotação ligada ao puro deleite estético de uma classe social que encontra tempo para admirar galerias de arte e livrarias, a ideia de cultura plural e aberta perpassa uma discussão de ordem ética. Esses embates teóricos são desenvolvidos por Valmir de Souza de forma muito honesta. No entreato de suas análises, aparece o cenário urbano de Guarulhos na grande São Paulo: palco privilegiado para o estudo das tensões geradas por embates culturais, fermentados no seio de uma sociedade plural e diversificada, que, muitas vezes, marginaliza e marginalizou expressões artísticas e literárias ligados aos anseios e manifestações da criatividade popular, como o cordel, o repente, o coco, rap, hip hop etc. Em detrimento dessas manifestações, as elites administrativas favorecem a disseminação de eventos voltados para a chamada cultura erudita como se esse fato fosse suficiente para proporcionar a redenção dos habitantes da metrópole. Em relação a essa ilusão, basta lembrar, como os adeptos e protagonistas dessas manifestações são tratados, por vezes, com uma "crueldade simbólica difícil de se detectar" através de discursos oficiais e midiáticos.

Embora se volte para a discussão de projetos culturais voltados para a inclusão social e engajados com uma visão de arte multifacetada que foram promovidos em São Paulo, como o Pátria Amada Esquartejada e o Congresso Internacional de História, os textos de Valmir de Souza possuem uma abrangência nacional. Basta lembrar, como sugere o autor, no capítulo Violência e resistência na literatura brasileira, que "a violência é inimiga da liberdade com autonomia". Inclui-se aí a ideia de violência simbólica e também política. Em um contexto contemporâneo, margeado pela retórica da exclusão e da propagação dos preconceitos mais sórdidos, bem como da apologia dos comportamentos intolerantes e homogenistas, a obra Cultura e literatura: diálogos merece ser lida como um pontapé inicial para debates que respeitem a diversidade étnica, cultural e regional brasileira.

Referência:

SOUZA, Valmir de. Cultura e literatura: diálogos. São Paulo: Ed. do Autor, 2008.