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domingo, 21 de agosto de 2011

Uma incursão aos dominíos da microhistória italiana


As vezes me flagro pensando sobre como esse ano está passando de forma vertiginosa. Sobre os estudos no primeiro semestre do doutorado na UFSC, posso dizer que tive ótimas experiências acadêmicas. Bom, uma delas foi ter parado e conversado com o professor Henrique Espada Lima, autor do livro A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades (2006). A obra é fruto de uma tese de doutorado defendida por Henrique Espada na Unicamp, em 1999, sob orientação de Edgar De Decca.

De início, vale ressaltar que o livro conta com um atencioso prefácio do historiador italiano Carlo Ginzburg cuja trajetória intelectual, repletas de consistentes contribuições a historiografia contemporânea, foi amplamente explorada por Henrique Espada. É o próprio Ginzburg (In: Espada Lima, 2006, p. 09) que afirma ter se deparado com "elementos novos graças á distância cultural, geográfica e geracional de Espada Lima em relação ao tema de sua pesquisa". Em Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância, Ginzburg já havia refletido sobre como posturas metodológicas guiadas pelo estranhamento e distanciamento podem ser profícuas para os historiadores. No caso do livro de Henrique Espada, o potencial dessa postura é evidenciado com força total.

Muitos pesquisadores e pesquisadoras que articularam a revista Quaderni Storici, na qual estão publicadas os principais ensaios e artigos referentes a consolidação da microhistória como uma das mais promissoras vertentes historiográficas do século XX, permanecem obscuros para toda uma leva de jovens historiadores brasileiros a qual pertenço. Ao longo da graduação e mestrado, é comum nos depararmos apenas com textos de Carlo Ginzburg e Giovanni Levi quando vamos pensar sobre a microhistória italiana. Nesse sentido, a evocação de nomes como o de Edoardo Grendi, Alberto Caracciolo e da historiadora ligada aos estudos feministas Luisa Accati, dentre muitos outros, que aparecem ao longo de A micro-história italiana merece ser evidenciada.

Esse mosaico de estudiosos leva a percepção de que, embora o grupo intelectual que publicava nos Quaderni Storici partilhasse de opções políticas em comum, como o feminismo e o socialismo, os interesses historiográficos de cada um desses estudiosos eram bastante heterodoxos entre sí. É coerente afirmar que a militância em partidos socialistas e grupos feministas irá influenciar no interesse em se pesquisar o cotidiano dos pobres e das mulheres na Itália medieval e pré-moderna, porém cada integrante do Quaderni Storici realizará essa empreitada de forma muito peculiar e própria.

Outro grande mérito das discussões levantadas por Henrique Espada é consequência do seu percurso metológico: ao cartografar os exemplares dos Quaderni Storici em acervos de instituições como a Biblioteca Minicipale Benincasa de Ancona; Biblioteca Comunale di Milano e da Bilioteca Nazionale Universitaria di Torino, o autor de A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades traduziu para o português citações de textos de Carlo Ginzburg, Carlo Poni, Giovanni Levi, Edoardo Grendi e Luisa Accati que, com certeza, se não fosse devido as suas inquietações, ainda permaneceriam como desconhecidos para a grande maioria de historiadores do Brasil. Assim, sem dúvidas, os textos agradáveis e criteriosos de Henrique Espada podem ser considerados como indispensáveis para as aulas de Historiografia e Teoria da História que versem sobre a importância da microhistória italiana no panorama nacional.


Referências:

ESPADA LIMA, Henrique. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.


domingo, 31 de julho de 2011

Globalização e periferia



"Ao circular pelas bordas da cidade de São Paulo, constata-se uma imensa variedade de culturas: praticantes de aulas de expressão teatral e dança, poetas fazendo intervenção, ativistas promovendo músicas populares mixadas, grupos em aula de computação, artistas produzindo seus vídeos, rappersda “perifa”, feiras culturais, performances das mais diversas linguagens, enfim fazedores de culturas vivas na cena urbana brasileira. São movimentos que reivindicam e fazem mais cultura, grupos que se organizam com temáticas gerais ou específicas (meio ambiente, moradia, economia da cultura etc.). (...)

Nas margens do “hiperliberalismo” globalizado emerge uma terceira cultura que aponta para novas e sutis realidades, “cidades periféricas” com sua própria centralidade, formando movimentos de convivência e redes culturais que criam novos modos de vida em comunidade.

Esses agentes locais nadam na contracorrente da lógica que nega direitos sociais e provoca segregação, isolamento, miséria e falta de infraestrutura, formando um caldo de cultura da violência que entra nos poros da sociedade. Resultado: esgarçamento das energias dos que vivem do trabalho e perda de pertencimento comunitário, tendo como subproduto o assassinato de jovens negros e mestiços".

Valmir Souza.

Para ler todo o conteúdo do artigo do professor Valmir Souza, publicado no Le Monde Diplomatique, acessem o link:

http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=960

Boas reflexões!

quinta-feira, 19 de maio de 2011

130 anos de Lima Barreto


A crítica literária, sobretudo quando é feita a partir de leituras que velam pela manutenção do poder vigente, tem a indigna função de silenciar as obras e os escritores que estão na contramão das correntes políticas e estéticas dominantes. Lima Barreto foi um desses nomes que teve de sofrer na própria pele os estigmas do preconceito de cor, de classe social e intelectual. Em face dos 130 anos de aniversário do escritor carioca, o mercado editorial brasileiro começa a atender a demanda dos leitores, agora ávidos para conhecer a vida e a obra desse autor, com a reedição das obras e publicação de estudos sobre o mesmo.

Recentemente, tive a oportunidade de ler algumas considerações do professor de Literatura, da Unicamp, Antônio Arnoni Prado - na página cultural do jornal O Estado de São Paulo - sobre algumas questões biográficas, estéticas e políticas no tocante a trajetória de Lima Barreto. Para o professor, os pareceres de José Verissímo, João Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda e Agrippino Grieco - e eu ainda acrescentaria Medeiros e Albuquerque - que condenaram os romances de Lima por considerá-los extremamente autobriográficos acabaram influenciando as interpretações que reduzem o papel de Lima Barreto, nas letras brasileiras, ao de panfletário. É preciso pensar em Lima como um escritor mais entregue as intensidades dos sentimentos, do que aos floreios literários.

É preciso ler e reler a biografia Lima Barreto: escritor maldito, de Pereira Silva e A vida de Lima Barreto, de Francisco de Assis Barbosa. Existe uma tendência revisionista que considera as pontes feitas entre arte e vida, em Lima Barreto, por esses autores impertinentes. Ao meu ver, isso faz parte da atmosfera de arrogância juvenil que enche os pulmões de alguns inciantes no universo da pesquisa e que têem uma necessidade, bastante inócua, de atribuirem ares inéditos as suas pesquisas bibliográficas. Já cheguei a ler por aqui, na Ufsc, uma dissertação que afirmava que Nicolau Sevcenko, ao escrever Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República, contribuiu para a construção de uma interpretação errônea da obra barretiana. Também sugiro a leitura da mais nova biografia sobre Lima Barreto, escrita pela antropológa Lilia Moritz Schwarcz e que enfoca bem a questão do preconceito racial ao longo da vida do literato. Seria também pertinente recomendar o livro Lima Barreto e o destino da literatura do brasilianista inglês Robert Oakley. Este estudioso britânico vem sendo o responsável por divulgar a obra de Lima nos círculos acadêmicos ingleses.

Creio que essa safra de boas publicações sobre a importância de Lima Barreto para a literatura brasileira é bem importante não só para o público especializado, mas também para o leitor que pode não se interessar pela linguagem acadêmica e é, no entanto, um inconformado com a atual situação do país. Lima Barreto é recomendado, sobretudo, para essas pessoas que não conseguem aceitar como a república brasileira continua mantendo privilégios de classe e aumentando os abismos entre ricos e pobres, bem como velando pela manutenção de preconceitos de cor.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Roland Barthes e os rumores do pós-estruturalismo


Roland Barthes nasceu em Cherbourg, região costeira da França, em 1915 e veio a falecer em Paris, em 1980, vítima de um atropelamento. Formado em Letras Clássicas, Gramática e Filosofia, ganhou visibilidade inicialmente enquanto intelectual estruturalista, ligado ao pensamento do lingüista Saussure. Talvez iniciar uma fala sobre Barthes ressaltando, de forma breve, sua trajetória biográfica seja, justamente, estar na contramão do pensamento daquele que professou a morte do autor. Porém, como também nos ensinou outro grande pensador francês, chamado Michel de Certeau e igualmente ligado a Lingüística, a escrita é indissociável de um dado lugar social.


É interessante salientar que a trajetória intelectual de Barthes foi marcada por uma reviravolta teórica quando ele criticou a teoria literária de meados do século XIX que exaltava a biografia e a historicidade da obra e que no final do século tornou-se intimista, quando a obra era interpretada pelo seu viés psicológico e a ânsia estruturalista, do começo do século XX, em homogeneizar todas as coisas em categorias, inclusive, os textos. Ao realizar esse movimento autocrítico em relação a sua atuação no estruturalismo, Barthes recontextualizou sua obra e foi enquadrado no rol dos críticos pós-estruturalistas. É dentro desse quadro de renovação que o conjunto de ensaios, reflexões e provocações reunidos sob o título de O rumor da língua foi publicado, na França, em 1984.


Em A morte do autor, Barthes inicia seu ensaio citando a novela Serrasine, de Balzac. Até que ponto os personagens seriam representantes do pensamento do escritor? Para Barthes, é preciso pensar a escrita como o campo da performance e não da genialidade. O autor é uma construção moderna e o positivismo foi a corrente intelectual que conferiu maior importância a autoria, em um momento de supervalorização do prestigio individual. Barthes critica, portanto, a relação feita entre vida do autor e texto. É a linguagem que fala, não o autor.


Mallarmé e Proust vão ser os pioneiros, na literatura, em buscar priorizar a linguagem ao invés da autoria. O surrealismo também contribuiu para a dessacralização da figura do autor. Para Barthes, o livro não é gestado antes de sua escrita. Todo ato de escritura é uma prática perfomática, ou seja: é um ato que reside no espaço do aqui e agora. O autor é responsável por misturar as escritas, fazendo uma bricolagem de textos diferentes. Deste modo, um escrito remete a outro, em uma intertextualidade infinita. Thomas de Quincey usava um complexo dicionário de grego clássico para escrever. Essa constatação, para Barthes, evidencia a inexistência entre escrita e vida. O escritor não escreve a partir de suas impressões e sentimentos, mas de imitação de signos já emitidos.


Essas reflexões de Barthes foram decisivas para o surgimento das teorias da recepção, que valorizavam o papel do leitor e da leitura no campo da literatura. A postura polêmica do autor e sua escrita repleta de sensualidade, marca de um estudioso fascinado pelo Marquês de Sade, também demonstram que é possível pensar filosoficamente e cientificamente sem se valer de uma linguagem asséptica. Enfim, usar Barthes como guia para incursões na teoria da literatura e da linguagem é permitir-se estar na companhia de um pensador para o qual o saber deveria possuir um sabor.


Referências:


BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988.


P.S.: Este post é um fragmento de um pequeno esboço de ensaio que elaborei sobre Barthes para apresentar no Seminário Temático da disciplina Teoria e Metodologia da História II, no doutorado, sob a coordenação da Profª. Bernardete Flores.


domingo, 17 de abril de 2011

II Congresso Nacional do Cangaço: Nordestes e Nordestinidades: histórias, representações e religiosidades

Em breve estarão abertas as inscrições de propostas de Grupos de Trabalho (GT), Minicursos (MC) e Oficinas (OF) que irão compor a programação da III Semana Regional de História e do II Congresso Nacional do Cangaço: Nordestes e nordestinidades: história, representações e religiosidades, a se realizar no Campus do CFP/UFCG na cidade de Cajazeiras/PB, entre os dias 24 e 29 de outubro de 2011.


As inscrições ocorrerão entre os dias 25 de abril e 27 de maio do corrente, exclusivamente via internet, conforme as instruções constantes na ficha de inscrição de propostas anexada a este e-mail e abaixo descritas:


1. É permitido apenas o envio de uma proposta de GT, MC e OF por proponente e um número máximo de 02 proponentes por atividade;


2. Os resumos das propostas deverão obedecer à seguinte formatação: texto justificado; fonte Times New Roman, tamanho da fonte 12; espaçamento entre linhas 1,5; dimensão: até 300 palavras, salvo em Word 97-2003 (ou compatível);


3. As propostas que não estiverem de acordo com as regras acima descritas serão automaticamente descartadas, assim como aquelas que chegarem fora do prazo estabelecido;

4. As propostas devem ser encaminhadas até o dia 27 de maio do corrente para o e-mail: propostas.cangaco@gmail.com;


5. Dúvidas e/ou contato, favor enviar mensagem para o e-mail:duvidas.cangaco@gmail.com.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Paul Ricouer e a história


Desde sete anos, este é o primeiro carnaval que passei distante de Campina Grande. Acompanhei apenas a programação pela web e, realmente, tive muita vontade de estar presente no já consagrado Encontro para a Nova Consciência, que acontece todos os anos. Trata-se de um evento que procura agregar, por meio de uma programação cultural, as pessoas que não são muito adeptas dos festejos tradicionais de Momo. Mas o que fazer para passar o tempo em uma cidade que ainda permanece como estranha, em muitos aspectos, para um forasteiro, como Florianópolis? Apesar de ter arriscado algumas incursões breves pelas áreas carnavalescas da urbe, ler me pareceu a coisa mais sensata.

A biblioteca da UFSC tem me proporcionado excelentes momentos. Antes do recesso de carnaval, pude pegar o livro História e verdade, do filósofo francês Paul Ricouer (1913 - 2005), publicado no Brasil em 1968, pela Editora Forense. Creio que seja bem importante perceber como Ricouer aborda a escrita da história a partir da ótica da filosofia da linguagem, motivado, sobretudo, por inquietações de ordem ética e como o citado pensador trouxe a tona para o debate sobre história e verdade, conceitos e posicionamentos que podem auxiliar os historiadores a resolverem diversos impasses teóricos próprios dessa forma de saber.

Segundo Ricouer, o historiador reconfigura o passado, coloca a questão da dívida histórica e moral entre mortos e vivos em discussão e abre expectativas para um futuro mais pleno, no qual os crimes e as formas de violência sofridas pelas pessoas no passado não se repitam. Quando o historiador atenta para a carga de intencionalidades que possui e o quanto elas afetam sua própria relação com seu objeto de pesquisa não está deixando de construir conhecimento, mas sim tomando consciência da dimensão humana de seu ofício. Esse senso de humanidade, ou sensibilidade, também presente no labor do escritor literário, encontra no plano textual um terreno fértil, pois se deve levar em conta que toda escrita, sendo antes de tudo, um artefato cultural, carrega implicações políticas.

Fica a dica de leitura para aqueles que almejam conhecer os textos desse grande filósofo contemporâneo, que teve a ousadia de repensar as relações entre História e Filosofia sem abrir mão de inserir no debate aquela velha questão do papel orgânico dos intelectuais, tão ridicularizada pelo ceticismo dito pós-moderno.

Referências:

RICOUER, Paul. História e verdade. Tradução de F. A. Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1968.


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O menino de engenho e o escrivão


O escritor paraibano José Lins do Rego ficou imortalizado como o autor dos romances que compõem a chamada literatura do ciclo da cana-de-açucar. Em obras canonizadas como Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), O moleque Ricardo (1935) e Usina (1936) são evocadas imagens do cotidiano e das relações sociais de um Nordeste patriarcal que estava tendo seus pilares tradicionais de sustentação política e econômica corroídos pela chegada voraz da modernidade tropical. O romance Menino de engenho, por exemplo, pode ser lido como um testemunho que busca evocar as lembranças do dia-a-dia nas plantações de cana, marcado pela presença onisciente da figura do Senhor de engenho e de uma rotina de atividades extenuantes para os escravos e meeiros que trabalhavam no eito, as margens do rio Paraíba.

Após cumprir o estudos superiores em Recife, o autor mudou-se, em 1935, para o Rio de Janeiro onde passou a colaborar ativamente com a imprensa, em grandes jornais da época como os Diários Associados e O Globo. É justamente esse Lins do Rego jornalista que se dedicou tanto ao jornalismo literário - descrevendo o panorama intelectual que lhe foi contemporâneo - como ao esportivo, elaborando vários escritos sobre o futebol da época - uma das suas grandes paixões - que passa desapercebido no cenário literário nacional. Na obra Ligeiros traços (2007), publicada pela Editora José Olympio, cheguei a encontrar uma crônica chamada Lima Barreto, publicada na revista Dom Casmurro, em novembro de 1922, na qual Lins se refere ao escritor carioca como alguém que "foi a maior vocação do nosso romance" e que ao escrever sobre Lima se sentia desolado "em comentar uma vida que passou sem as honras e as distinções que merecia" (REGO, 2007, p. 247).

De fato, um dos espaços investigativos mais ricos que se abrem para quem quer compreender, profundamente, a obra de Lima Barreto é buscar mapear como o escritor, embora fosse rejeitado e silenciado pelos autos medalhões da Academia Brasileira de Letras, conseguiu despertar o interesse e a simpatia em escritores mais jovens, como o natalense Jaime Adour Câmara, o próprio José Lins do Rego, o carioca Gustavo Santiago ou o também conhecidissímo folclorista natalense Câmara Cascudo. O que me parece ser uma boa hipótese é que a forma simples, praticamente didática, que marca o estilo de Lima Barreto e as ironias que ele destinou aos partidários da República das Belas Letras atraiu a atenção desses então jovens intelectuais , que se identificaram com a forma dessacralizadora que o autor das Recordações do escrivão Isaías Caminha se referia aqueles graves senhores de cartola que sentavam nas cadeiras laureadas da ABL.


Referências:

REGO, José Lins do. Ligeiros Traços. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2007.