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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Uma visão sobre ensino e aprendizagem no Brasil atual



Não costumo divulgar textos de terceiros por este blog. Recebi por e-mail uma espécie de libelo sobre a educação no Brasil bastante ferino e com algumas considerações, algumas margeadas por uma retórica saudosista e conservadora, bastante indignadas. A questão é que, exageros e tradicionalismos a parte, eu concordo em grande parte com as inquietações que motivaram o Igor Wildmann a escrever esse texto, mas não com todo o conteúdo de suas ideias. Por isso, segue abaixo as reflexões desse professor sobre os atuais quadros de ensino e aprendizagem brasileiros:

Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!). A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro. O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares. Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática. No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando... E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.” Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno–cliente... Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”.

Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.

Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:

EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;

EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos” e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;

EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;

EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;

EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;

EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundograu completo cresceu “tantos por cento”;

EU ACUSO os “cabeças–boas” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;

EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.

EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;

EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;

Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos-clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia. Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”. A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.” Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.

Prof. Igor Pantuzza Wildmann.

Doutor em Direito.


4 comentários:

  1. Aí vai uma pergunta bem simplória, que gostaria de compartilhar: em que mundo ele, o profº, vive? Não é a educação o cerne de todo o problema, de toda crise; não é ela o olho do tufão. Gostaria de saber se quando ele vai ao supermercado e lá no caixa lhe afirmam não ter troco, se ele não vai atrás? Ou se quando alguém lhe faz algo indevido ou indecoroso se ele também, passionalmente, não corre o risco de na hora, com o sangue quente, fazer algo "errado"? Entre outros questionamentos.
    Concordo com você Joachin, ao afirmar que em muito do que está escrito deve sim ser repensado, mas em outras partes o profº exagera, impondo verdades que ele vê saudosisticamente. No mais só gostaria de deixar essas indagações que ao ler o texto me deixaram intrigada.

    Parabéns por abrir espeços assim.

    att,
    shannya

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  2. Sim, você tem razão. Faltou pouco para ele mencionar que educação que se preze era aquela que prevaleceu durante a ditadura militar. Agora eu realmente fiquei incomodado até comigo mesmo por ler esse texto e, relembrando as frustrações que tive ao dar aulas no Ensino Público, acabar convergindo em direção as inquietações do autor, mas não com suas ideias. Vamos repensar essa pedagorréia importada da França, dita pós-crítica, que não deu certo no Brasil mas sem radicalismos.
    Obrigado pelo teu comentário!
    Abraços fraternos.

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  3. A pedagogia "pós-moderninha", que desembocou no "libera geral", talvez seja o inverso perfeito do conservardorismo. JUntos eles partilham da mesma taça, radical em suas proposituras. Sem generalizações, sem receitas, o cotidiano escolar mostra-se bem mais complexo do que qualquer teoria. Agora, o texto do Professor Igor Pantuzza Wildman contribui quando, em tom de protesto e desabafo - é bom que não esqueçamos o contexto de produção deste artigo - problematiza não só a educação, mas as relações humanas, marcadas pela negociação de todos os valores, pela relativização total da experiência. Ao meu ver, nao cabe saudosismo,uma volta à palmatória, mas compartilho da visão de que a negaçao dos valores, transformado na fina flor da liberalidade, não significa um avanço na democracia; ao contrário, curiosamente vivemos num mundo cada vez mais autoritário e intransigente. Então, cabe questionarmos se a defesa de um limite, de valores, de autoridade - como parece ser a posição do autor do artigo - corresponde irrestritamente à expressão ou defesa do conservadorismo/ autoritarismo. Ao meu ver, esses conceitos não se equivalem!

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  4. Eu também creio que o texto tem sua validade nesse sentido, de expor alguns fatos que necessitam ser discutidos. A volta a palmatória é inviável, rs. Por isso, fiz as ressalvas, pois sabe-se lá na cabeça desse cidadão o que são "os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo". Abraço pra tí!

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