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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O menino de engenho e o escrivão


O escritor paraibano José Lins do Rego ficou imortalizado como o autor dos romances que compõem a chamada literatura do ciclo da cana-de-açucar. Em obras canonizadas como Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), O moleque Ricardo (1935) e Usina (1936) são evocadas imagens do cotidiano e das relações sociais de um Nordeste patriarcal que estava tendo seus pilares tradicionais de sustentação política e econômica corroídos pela chegada voraz da modernidade tropical. O romance Menino de engenho, por exemplo, pode ser lido como um testemunho que busca evocar as lembranças do dia-a-dia nas plantações de cana, marcado pela presença onisciente da figura do Senhor de engenho e de uma rotina de atividades extenuantes para os escravos e meeiros que trabalhavam no eito, as margens do rio Paraíba.

Após cumprir o estudos superiores em Recife, o autor mudou-se, em 1935, para o Rio de Janeiro onde passou a colaborar ativamente com a imprensa, em grandes jornais da época como os Diários Associados e O Globo. É justamente esse Lins do Rego jornalista que se dedicou tanto ao jornalismo literário - descrevendo o panorama intelectual que lhe foi contemporâneo - como ao esportivo, elaborando vários escritos sobre o futebol da época - uma das suas grandes paixões - que passa desapercebido no cenário literário nacional. Na obra Ligeiros traços (2007), publicada pela Editora José Olympio, cheguei a encontrar uma crônica chamada Lima Barreto, publicada na revista Dom Casmurro, em novembro de 1922, na qual Lins se refere ao escritor carioca como alguém que "foi a maior vocação do nosso romance" e que ao escrever sobre Lima se sentia desolado "em comentar uma vida que passou sem as honras e as distinções que merecia" (REGO, 2007, p. 247).

De fato, um dos espaços investigativos mais ricos que se abrem para quem quer compreender, profundamente, a obra de Lima Barreto é buscar mapear como o escritor, embora fosse rejeitado e silenciado pelos autos medalhões da Academia Brasileira de Letras, conseguiu despertar o interesse e a simpatia em escritores mais jovens, como o natalense Jaime Adour Câmara, o próprio José Lins do Rego, o carioca Gustavo Santiago ou o também conhecidissímo folclorista natalense Câmara Cascudo. O que me parece ser uma boa hipótese é que a forma simples, praticamente didática, que marca o estilo de Lima Barreto e as ironias que ele destinou aos partidários da República das Belas Letras atraiu a atenção desses então jovens intelectuais , que se identificaram com a forma dessacralizadora que o autor das Recordações do escrivão Isaías Caminha se referia aqueles graves senhores de cartola que sentavam nas cadeiras laureadas da ABL.


Referências:

REGO, José Lins do. Ligeiros Traços. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2007.

3 comentários:

  1. Olá Joaquim, venho agradecer a sua visita ao meu blog Ecos da Cultura Popular e a delicadeza dos seus comentários. Adorei conhecer um pouco do seu trabalho neste blog! recentemente li o "menino de engenho" pois, ele me trouxe várias informações sobre a infância dos escravos e eu pesquiso sobre o lúdico, música e dança com ênfase na etnicidade afro-brasileira. Estou curiosa para ler "Banguê" mas, ainda não encontrei o livro. Tenho outro blog só com temática sobre África e africanidades que é o
    http;//afrocorporeidade.blogspot.com e também escrevo para a revista on line www.africaeafricanidades.com.br Estaremos em contato. Abços!!!

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  2. Obrigado pelo comentário, Denise! Olha, é simplesmente magnífico encontrar pessoas que partilham dessas inquietações que norteiam seus trabalhos. Creio que podes achar o Banguê no Estante Virtual. Lins do Rego é um escritor que tem muito a dizer sobre a sociedade colonial e da Primeira República. Grande abraço pra tí!

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  3. Joachin, boa abordagem. É interessante perceber que fora da ficcionalidade vigente nos romances do Rego (gosto muito do Fogo Morto, sensacional), existia também uma aura crítica. Não conheço este texto do Rego sobre o Lima (se puder me dizer se encontro na web, agradeço). Aliás, a José Olympio tem uma importância fantástica na literatura brasileira da parte de cima do Brasil - editou grande parte dos romancistas de lá. Hoje, parece-me que teve suas obras captadas pela Record.

    Enfim, no "Linhas Tortas", o Gracilaino também destaca "A Livraria José Olympio", " Os donos da literatura", Os amigos de Machado de Assis", etc. Acho sensacional essas coisas, que muitas vezes ficam distantes da realidade que não da pesquisa.

    abraço.

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