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terça-feira, 8 de novembro de 2011

A universalidade de Macunaíma


A obra Macunaíma foi escrita em seis dias de trabalho, em dezembro de 1926 e publicada em 1928. Macunaíma logo se transformou no livro mais importante do nacionalismo modernista brasileiro. Os amigos de Mário de Andrade, ao lerem o manuscrito, tiveram a impressão fulminante de estarem segurando uma obra-prima.

Para Gilda de Mello e Sousa (1979, p. 11), Macunaíma foi escrita a partir de um método que entrecruzou uma rede de textos pré-existentes ligados as tradições orais, eruditas, populares, europeias e brasileiras.

A estética que atravessa toda a narrativa de Mário de Andrade remete a uma apropriação realizada pelo escritor da análise do fenômeno musical e do processo criador do populário. Por meio da mistura entre tendências presentes tanto na arte internacional, quanto na arte brasileira, Andrade mergulhou no universo da música e da imaginação coletiva, bem como em questões levantadas pela etnografia, folclore e psicanálise. Macunaíma, desta forma, foi escrito a partir de uma série de reflexões teóricas sobre a criação popular e a música brasileira.

Mário de Andrade publicou o livro Danças dramáticas do Brasil e o Ensaio sobre a música brasileira. Em Danças dramáticas do Brasil afirma que a música popular é um documento vivo de nossa mistura étnica. Para Andrade, a música popular do Brasil brotou da mistura de elementos rítmicos de Portugal, da África e da Espanha com as expressões musicais brasileiras. Nas palavras do próprio escritor, essa bricolagem entre o erudito e o populário encontra seu ápice na mistura entre teatro dramático, dança e música profana que ocorre na versão pernambucana do Bumba-meu-Boi.

Macunaíma é composto, portanto, da unção híbrida de peças como anedotas tradicionais da História do Brasil; incidentes curiosos presenciados pelo escritor; transcrições textuais de etnógrafos, de cronistas coloniais e frases célebres de grandes vultos da história com um processo retórico que tinha a intenção de criar “sonoridades curiosas” e “cômicas”. Portanto, para Mello e Sousa (1979, p. 22), “o exemplo mais perfeito deste processo parasitário de compor, típico do populário, seria encontrado por Mário de Andrade no improviso do cantador nordestino”.

Os cantadores de embolada e repentes compõem se valendo do seguinte método: cantam uma melodia que não é sua e que a decoram com falhas de memória. Em segundo, tecem uma série de variações subjetivas sobre o conteúdo original da melodia de modo que essa música original se torne fácil e vulgar. Por último, começam a fantasiar objetivamente sobre a melodia para variar e ampliar seus significados. Assim, os cantadores de coco e repente não são gênios iluminados do improviso, mas profissionais que se preparam longamente para a prova, armazenando na cabeça uma quantidade extensa e variada de conhecimentos, recolhidos nas fontes mais diversas: no Novo e Velho Testamento, na Arte da Gramática, em manuais de Álgebra, dicionários de Fábulas, livros de Mitologias e de Astrologia, em romances de literatura de cordel. Desse modo, a elaboração de Macunaíma encontra-se ligada à profunda experiência musical de Mário de Andrade, baseada em pesquisas sobre a circularidade entre cultura erudita e popular.

Mário de Andrade construiu uma verdadeira utopia geográfica presente em trechos como o episódio no qual Macunaíma sobrevoa o Brasil em um aeroplano e descortina, do alto, o mapa do país. Assim, esse quadro revela um desejo profundo de Mário de Andrade em buscar um denominador comum que estabelecesse um nexo entre o universo urbano do Sul/Sudeste e a cultura agrária e barroca do Norte/Nordeste.

Assim como Mário de Andrade analisou as analogias entre a música europeia e as manifestações rítmicas populares, indígenas e africanas, a obra Macunaíma possui um núcleo central firmemente europeu embora em tensão constante com o uso de expressões coloquiais, indígenas, afros e regionais que tentam emprestar a narrativa um aspecto selvagem. Ora, é inegável que Macunaíma remete também a uma retomada satírica do romance de cavalaria - a lá Dom Quixote, de Cervantes - e a tradição literária de Rabelais, na Idade Média, na qual o grotesco, a paródia e o detalhe obsceno gestavam uma visão carnavalizada do mundo, ocorrendo uma vitória simbólica do riso sobre a seriedade, o medo e o sofrimento.


Referências:

ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Agir, 2007.

MELLO E SOUSA, Gilda de. O tupi e o alaúde: uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades, 1979.


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